A crise fiscal e o direito de acesso ao Judiciário
Poder Executivo deve arcar com passivos advindos de decisões judiciais
O ano de 2019 foi marcado por intensas discussões em relação às propostas de reformas estruturais apresentadas pelo governo federal e pelo Congresso Nacional.
Embora a reforma da Previdência tenha sido alvo de intensos debates, seguida da reforma tributária, as reformas propostas pelo governo federal por meio do Plano Mais Brasil são robustas e devem ser profundamente analisadas.
Em suma, o Plano Mais Brasil está organizado em três distintas Propostas de Emenda à Constituição (PECs), assim intituladas: PEC do Pacto Federativo (PEC nº 188/2019, no âmbito do Senado Federal); PEC Emergencial; e PEC dos Fundos Públicos.
Se aprovada a PEC do Pacto Federativo, observar-se-á a mitigação de efeitos de decisões judiciais que possam gerar despesas não previstas ao Poder Executivo, com vistas a auxiliar na correção do cenário atual de crise fiscal, já que os servidores públicos teriam de esperar o encerramento de seus processos judiciais para que pudessem ver reconhecidos os seus direitos (art. 37, inciso XXIII, alínea ‘b’); e quaisquer decisões judiciais que impliquem em novos custos ao Poder Executivo “somente serão cumpridas quando houver a respectiva e suficiente dotação orçamentária”, de forma que qualquer cidadão somente poderia ter seus direitos resguardados caso fosse comprovada a existência de recursos orçamentários que pudessem cobrir os valores a serem despendidos pelo Poder Executivo (art. 167, § 9º).
É inegável a severidade da crise fiscal atualmente enfrentada pelo Estado brasileiro: o mau uso de recursos públicos, as evidências de desvios (especialmente pelos escândalos recentes de corrupção) e a escassez de investimentos públicos relevantes têm sido alvo constante de insatisfação por parte da população brasileira.
Se considerado apenas este alarmante cenário, poder-se-ia validar qualquer medida que pudesse impedir o aumento significativo e abrupto de despesas impostas ao Poder Executivo – e este é um dos motes do atual governo federal, tendo sido um dos principais argumentos em prol da reforma da Previdência.
Contudo, não se pode admitir medidas que vulneram os demais Poderes (Judiciário e Legislativo), especialmente quando são constantes os abusos e as inconstitucionalidades incorridos pelo Poder Executivo em detrimento dos direitos individuais assegurados a todos os cidadãos brasileiros.
A própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), embora imponha diversos limites ao crescimento de despesas a serem arcadas pelo Executivo (como no caso de gastos com pessoal), obriga o Poder Executivo a avaliar, contabilizar e reservar recursos para arcar com passivos advindos de decisões judiciais, sendo-lhes exigido que até mesmo previamente detalhem as providências que seriam tomadas caso estes riscos sejam concretizados.
Mais do que isso: é manifestamente inconstitucional qualquer tentativa de negar aos cidadãos brasileiros o seu direito constitucionalmente assegurado de acesso ao Poder Judiciário nos casos em que sejam lesados ou tenham os seus direitos ameaçados, com fulcro no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988.
Assim, ainda que seja importante o controle dos gastos e despesas arcados pelo Poder Executivo (em todas as suas esferas), não se pode admitir a vulneração das próprias bases sobre as quais está sedimentado o Estado Democrático de Direito Brasileiro, especialmente no cenário atual de desconfiança dentre os cidadãos e o próprio Poder Executivo – que, diga-se de passagem, é diretamente responsável pela maior parte do contencioso judicial hoje existente.
Fonte: Dom Total.
• Siga meu instagram
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.